quarta-feira, 18 de agosto de 2010

O PRIMEIRO "ACIDENTE AERONÁUTICO" DE QUE SE TEM NOTÍCIA...


Conforme nos apresenta Thomas Bulfinch (2004) em sua obra “O Livro de Ouro da Mitologia – Histórias de Deus e Heróis”, a aviação mundial pode ter iniciado assim:

“O labirinto do qual Teseu escapou, graças ao fio de Ariadne, fora construído por Dédalo, um artíficie habilidosíssimo. Era um edifício com inúmeros corredores tortuosos que davam uns para os outros e que pareciam não ter começo nem fim, como o Rio Meandro, que volta sobre si mesmo e ora segue para adiante, ora para trás, em seu curso para o mar. Dédalo construiu o labirinto para Minos, mas, depois, caiu no desagrado do rei e foi aprisionado em uma torre. Conseguiu fugir da prisão, mas não podia sair da ilha por mar, pois o rei mantinha severa vigilância sobre todos os barcos que partiam e não permitia que nenhuma embarcação zarpasse antes de rigorosamente revistada.

- Minos pode vigiar a terra e o mar, mas não o ar – disse Dédalo. Tentarei esse caminho.

Pôs-se, então, a fabricar asas para si mesmo e para seu jovem filho, Ícaro. Uniu as penas, começando das menores e acrescentando as maiores, de modo a formar uma superfície crescente. Prendeu as penas maiores com fios e as menores com cera e deu ao conjunto uma curvatura delicada, como as asas das aves. O menino Ícaro, de pé, ao seu lado, contemplava o trabalho, ora correndo para ir apanhar as penas que o vento levava, ora modelando a cera com os dedos e prejudicando, com seus folguetes, o trabalho do pai. Quando, afinal, o trabalho foi terminado, o artista, agitando as asas, viu-se flutuando e equilibrando-se no ar. Em seguida, equipou o filho da mesma maneira e ensinou-o a voar, como a ave ensina ao filhote, lançando-o ao ar, do elevado ninho.

- Ícaro, meu filho – disse, quando tudo ficou pronto para o vôo - , “recomendo-te que voes a uma altura moderada, pois, se voares muito baixo, a umidade emperrará tuas asas e, se voares muito alto, o calor as derreterá. Conserva-te perto de mim e estarás em segurança.

Enquanto dava essas instruções e ajustava as asas nos ombros do filho, Dédalo tinha o rosto coberto de lágrimas e suas mãos tremiam. Beijou o menino, sem saber que era pela última vez, depois, elevando-se em suas asas, voou, encorajando o filho a fazer o mesmo e olhando para trás, a fim de ver como o menino manejava as asas. Ao ver os dois voarem, o lavrador parava o trabalho para contemplá-los e o pastor apoiava-se no cajado, voltando os olhos para o ar, atônitos ante o que viam, e julgando que eram deuses aqueles que conseguiam cortar o ar de tal modo.

Os dois haviam deixado Samos e Delos à esquerda e Lebintos à direita, quando o rapazinho, exultante com o vôo, começou a abandonar a direção do companheiro e a elevar-se para alcançar o céu. A proximidade do ardente sol amoleceu a cera que prendia as penas e estas desprenderam-se. O jovem agitava os braços, mas já não havia penas para sustentá-lo no ar. Lançando gritos dirigidos ao pai, mergulhou nas águas azuis do mar que, daquele dia em diante, recebeu seu nome.

- Ícaro, Ícaro, onde estás? – gritou o pai.

Afinal, viu as penas flutuando na água e, amargamente, lamentando a própria arte, enterrou o corpo e denominou a região Içaria, em memória do filho. Dédalo chegou são e salvo à Sicília, onde ergueu um templo a Apolo, lá depositando as asas, que ofereceu ao Deus”. (THOMAS BULFINCH, 2004, pp. 191-193).

Na presente fábula da mitologia grega verifica-se um flagrante desrespeito às normas de segurança do “fabricante da aeronave”, Dédalo, que culminou com a morte do seu “operador”, Ícaro.

Caso o jovem Ícaro tivesse mantido seu nível de vôo ao lado de seu pai, fabricante das asas, não teria despencado do céu e morrido no mar.

O habilidoso artíficie Dédalo, conhecedor das “limitações operacionais” das asas que construiu, orientou o filho Ícaro:

- “Ícaro, meu filho, recomendo-te que voes a uma altura moderada, pois, se voares muito baixo, a umidade emperrará tuas asas e, se voares muito alto, o calor as derreterá. Conserva-te perto de mim e estarás em segurança.”

Esse tipo de recomendação do fabricante de aeronaves é conhecida no meio aeronáutico como sendo mandatária, ou seja, de observância obrigatória por parte dos operadores.

Ocorre, porém, que durante a execução de um voo, quem decide se vai obedecer ou não as recomendações do fabricante é o próprio operador (piloto).

O piloto pode operar a aeronave dentro dos limites de segurança ou extrapolá-los voluntariamente, como fez o mitológico Ícaro.

Desrespeitando os limites operacionais da aeronave e/ou inobservando regras básicas de segurança, o piloto assume para si todos os riscos advindos de sua conduta.

Nada mais cabe ao fabricante da aeronave fazer senão orientar, de antemão, todos os operadores quanto às limitações operacionais de seu equipamento.

O texto acima faz parte do primeiro capítulo do meu TRABALHO TÉCNICO CIENTÍFICO PROFISSIONAL (TTCP) apresentado como exigência para a obtenção do grau de especialista em Gestão de Segurança Pública durante o meu CURSO DE APERFEIÇOAMENTO DE OFICIAIS (CAO) realizado na PMDF em parceria com a Universidade de Brasília (UnB).

Resolvi postá-lo aqui no blog para que cada um de nós, pilotos de aeronaves, façamos um mea culpa e verifiquemos quantas vezes nós já agimos de forma idêntica ao mitológico Ícaro.

Para os operadores de helicópteros policiais como eu, pergunto:

- Por quantas vezes você já voou ABAIXO dos limites mínimos de altura e velocidade (curva do homem morto) estabelecidos pelo fabricante de um helicóptero monomotor??

Eu mesmo respondo, com a maior franqueza: VÁRIAS VEZES!!!

E o pior: O piloto policial está AMPARADO PELA LEGISLAÇÃO VIGENTE para agir de tal forma, pois sob a ótica da RBHA (RBAC) 91 Subparte K, não é proibido aos operadores policiais e de defesa civil atuar dessa forma...

Pensemos o seguinte: Tudo bem, a legislação permite que eu opere abaixo dos mínimos, SOB TOTAL RESPONSABILIDADE DO PILOTO EM COMANDO. Estou amparado sob a égide das leis dos homens. Mas e as inexoráveis leis da FÍSICA??

A delimitação do envelope altura x velocidade dos helicópteros monomotores envolve complexos cálculos de engenharia aeronáutica, porém o menos letrado dos pilotos sabe que estão envolvidos diversos princípios da FÍSICA no voo de um helicóptero.

Desrespeitar as limitações do fabricante é assumir riscos frente as LEIS DA NATUREZA!!

Será que vale a pena assumir esses riscos??

Com a palavra, o mitológico Ícaro...

Cmte Duton

P.S.: Para a execução de operações aéreas policiais e de defesa civil é indiscutível a necessidade de se operar abaixo dos mínimos estabelecidos no envelope altura X velocidade (helicóptero monomotor).

Como possível solução ao problema aqui apresentado, minha proposta é a implementação de helicópteros bimotores para as operações aéreas policiais e de defesa civil.




2 comentários:

  1. Cmte. Participe do Fórum Geral do Helicóptero, (Google grups ) que congrega todos os pilotos de asa rotativa do Brasil. Seu Blog é recomendado em nosso Fórum.

    http://groups.google.com/group/geral_helicoptero?lnk=

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  2. Obrigado pela sugestão! Já aderi ao Fórum. Grande abraço!

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